Associação do setor, Mary Kay e Plano CDE analisam impactos da pandemia sobre a atividade, que tem 54,7% das atividades em torno de cosméticos e cuidados pessoais
Como o nome da atividade diz, “venda direta”, até pouco tempo também chamada de “porta-a-porta”, pressupunha o contato direto entre consultoras/revendedoras e seus clientes. Um clássico no varejo brasileiro, em especial no setor de cosméticos, onde atuam marcas como Natura, Avon, O Boticário e Mary Kay, a venda direta, no entanto, também foi afetada pela pandemia da Covid-19 e as orientações de isolamento social, mas tem buscado caminhos para manter as atividades.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (ABEVD), o País ocupa a 6ª posição global no setor, tendo movimentado R$ 45 bilhões, em 2019, o que representou crescimento de 1% sobre 2018. Para este ano, a entidade não se arrisca a fazer uma previsão, mas sua presidente executiva, Adriana Colloca, ressalta que a atividade é uma oportunidade de trabalho e renda para quatro milhões de pessoas em todos os cantos do Brasil.
“Assim como toda a economia, a venda direta sofreu impactos nos negócios em abril e maio. Porém, o setor foi muito rápido em se ajustar e usar as mídias sociais, sites e aplicativos para continuar o ritmo de vendas”, afirma Adriana. Ela também diz ter percepção de que aumentou a procura pela atividade por parte de quem deseja empreender ou ter uma fonte de renda.
“A dificuldade de inserção no mercado de trabalho faz das vendas diretas uma das fontes de renda mais importantes para as mulheres das classes CDE”, destaca, por sua vez Breno Barlach, diretor de pesquisa e inovação da consultoria Plano CDE. O pesquisador explica que as mulheres desse extrato social estão menos empregadas que os homens CDE e que as mulheres das classes AB por dois motivos. O primeiro é que não há empregos em seus bairros, mais afastados dos centros, e sem empregos e com renda baixa elas têm de assumir o cuidado com os filhos. A segunda razão é que todas suas conhecidas são do mesmo bairro, com a mesma escolaridade e trajetórias de vida similares. Com isso, não têm acesso a um “networking” capaz de indicá-las outras oportunidades.
Mesmo antes da pandemia, a digitalização já era uma tendência no setor, por conta da própria evolução da sociedade. Afinal, a tecnologia chega mais rapidamente às classes socioeconômicas mais altas, mas também vai se desdobrando com o tempo para as demais e influenciando os hábitos de toda a população. “Já vínhamos incentivando o uso de ferramentas digitais para a divulgação e venda de produtos. A venda direta tem que acompanhar as tendências das relações em geral. Se as relações estão cada vez mais digitais, a venda direta segue esse caminho”, pontua Adriana, da ABEVD, pra quem a força de vendas dessas empresas também ajuda que itens de cuidados pessoais cheguem à casa das pessoas, por um sistema de delivery sem contágio e sem burlar as regras de isolamento, uma vez que produtos têm sido entregues pelas próprias empresas.
Estudo da associação realizado nos primeiros meses de 2020, apontou o WhatsApp, sites e mídias sociais como principais meios de vendas e divulgação de produtos dessa força de vendas. No levantamento, conta Adriana, 84,7% elegeram o WhatsApp como principal canal de vendas e divulgação de produtos.
“Realmente, a digitalização é inevitável. O modelo de negócio dessas empresas não para de pé sem essa inovação”, analisa Breno Barlach, da Plano CDE. Mas para o pesquisador, no contexto da pandemia e do isolamento, há dois lados da moeda a serem vistos.
Segundo ele, por um lado, as vendas pela internet (ele confirma que na base da pirâmide, isso significa praticamente falar em WhatsApp) se tornaram a única forma de venda para muitas mulheres e como grande parte das revendedoras de cosméticos têm suas amigas como principais clientes, tais vendas são relativamente simples de serem digitalizadas via WhatsApp. “Por outro lado, assim como vemos o que está acontecendo na oferta de educação remota, há um gap gigantesco de letramento digital”, destaca Breno. Isso significa, no caso de pequenas revendedoras, com menor renda e escolaridade, que pode haver dificuldades, por exemplo, em comprar no site da marca ou saber como acessar novas clientes pelo meio digital.
Apoio à força de vendas
Presente já há algum tempo no mercado brasileiro, a americana Mary Kay também ressalta o cenário “totalmente novo” para todos os setores e diz estar “trabalhando dia e noite” para buscar ferramentas para continuar apoiando o negócio de milhares de mulheres que constituem sua força de vendas independente, para diminuir os impactos causados pela crise da Covid-19.
Rosana Bonazzi, vice-presidente de vendas da companhia no Brasil, conta que entre as iniciativas estão a prorrogação de promoções, revisão de requisitos para programas e campanhas, intensificação de conteúdo online, isenção do valor da assinatura do Meu Site Mary Kay Plus, onde elas podem receber encomendas online, além da entrega de materiais para apoiar a dinâmica da consultoria de beleza de forma virtual.
“Já conseguimos ver que as Consultoras de Beleza Independentes aprenderam que podem estar juntas de suas clientes virtualmente, não só para vender, mas para apoiá-las inclusive emocionalmente, esse é o jeito Mary Kay. Nós estamos oferecendo ferramentas virtuais para elas realizarem as Sessões de Beleza Virtuais. É também uma oportunidade de compartilharem a importância do autoamor, autocuidado, e como pode ser maravilhoso aprender a se cuidar e se maquiar sem sair de casa”, afirma Rosana Bonazzi.
Embora afirme que o atual contexto certamente irá acelerar o processo de digitalização da venda direta, a executiva diz ser cedo ainda para dimensionar esse crescimento, mas demonstra otimismo: “Oferecemos um negócio com plano de carreira independente que dá oportunidade para toda mulher, e com resultados ilimitados que só dependem dela. A Mary Kay é uma grande oportunidade para este momento, tanto para as pessoas começarem um novo negócio, com um investimento baixo, ou até mesmo para complementarem sua renda”.
O pesquisador da Plano CDE já recomenda cautela ao segmento. Para ele, após a pandemia, provavelmente a atividade retomará o papel de complemento de renda. O problema é que não se sabe a duração da pandemia e a renda de muitas revendedoras pode cair drasticamente, tendo impactos no endividamento das famílias e com as marcas. “A retomada do setor depende de que restem revendedoras suficientes daqui três, quatro meses, com capacidade de investimento (compra dos produtos para revenda). As marcas devem se atentar para isso”, alerta Bruno Barlach.
Segundo a ABEVD, em 2019, foram comercializados mais de dois bilhões de itens (em produtos e serviços) por venda direta no Brasil. As categorias com mais adesão são as de cosméticos e cuidados pessoais (54,7%); vestuário (8%); acessórios (7,9%); cuidados da casa (6,5%); alimentos ou suplementos saudáveis (4,3%); telefonia, internet, TV por assinatura (3,7%); livros, brinquedos, CD, DVD, software, games (3,4%); serviços de reforma da casa (3,3%); utensílios domésticos (3,1%); produtos financeiros (2,8%) e vinhos e comida congelada (2,3%).